quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

‘Feito Gente Grande’: para valer



‘Feito gente grande’ (Du Vent dans mes mollets) é realmente um feito. O filme francês têm como protagonistas duas crianças adoráveis. A tímida, com pais um tanto quanto excêntricos, Rachel (Juliette Gombert) e a pestinha Valérie (Anna Lemarchand), filha de pais divorciados, com a mãe bonita e solteira Catherine (Isabelle Carré). A trama retrata um universo infantil de forma nada débil, criando expectativas e tensões sobre temas complexos que nunca deixam de permear as crianças. Em especial, os dois mais significativos da vida adulta: sexo e morte.
Apesar de introduzir esses temas, especialmente da perspectiva da criança, o filme em nenhum momento é forte. Como uma comédia bem sucedida, a delicadeza e humor são trabalhadas o tempo todo.  A morte está presente desde o começo. A avó de Rachel (Judith Magre), sofreu um derrame, e depois de sair da casa de repouso onde morava, foi viver com a filha Colette (Agnès Jaoui), o pai Michel (Denis Podalydès) e a neta Rachel. Ela dorme no mesmo quarto da neta, que se assusta o tempo todo com a possibilidade da avó ter morrido no meio da noite, checando sempre se ela está respirando um um espelhinho em frente ao seu nariz e boca.
Rachel é filha única e um tanto quanto solitária. O pai as vezes fala sobre o campo de concentração Auschwitz, no qual seus irmãos morreram. “Ostivite”, como a menina chama, a faz pensar na morte, já que seu pai tinha muitos irmãos e deve ter sido melhor para ele ser filho único, sem ser importunado nem ter que dividir suas coisas. A idade do pai faz pensar que o filme se passa na década de 1990, apesar de isso não ser óbvio em nenhum momento, apesar das roupas engraçadas, que poderiam ser atribuídas a leveza do filme e a vontade de fazer algo divertido. A relação com a história do pai muda completamente, especialmente depois que ela conhece Valérie, na escola.
As duas, especialmente por incentivo de Valérie, arrumam algumas confusões, especialmente no que diz respeito a professora das duas, Danielle (Elsa Lepoivre). Danielle é casada com o diretor, se veste de forma sensual, sendo relapsa com a turma. Ela tem um caso com o professor de educação física e as meninas a flagram os dois no banheiro. Elas ficam com a cena na cabeça e uma grande sacada do roteirista foi transformar todas as dúvidas em cenas palpáveis e do ponto de vista de uma criança.
Para lidar com o sexo, as duas meninas imitam os professores com uma Barbie e um Ken. Os risos, as correrias, a paixão inocente de Rachel pelo irmão mais velho de Valérie, os gritinhos típicos de duas meninas de nove anos, tudo é muito verídico. As cenas com as duas meninas são as mais interessantes do longa, pelo desempenho artístico, mérito delas, e pela direção eficaz e libertadora de Carine Tardieu, que também contribuiu para o roteiro. A interação entre as duas é fantástica e é como se elas duas fossem realmente duas amiguinhas descobrindo o sentindo das coisas importantes.
Rachel, faz as mesmas perguntas que os adultos. Ela quer entender a morte, a tristeza, o amor. Apesar de às vezes esquecermos, é assim com toda criança dessa idade, e Tardieu demonstrou isso de forma bonita e singela, como costumam ser os filmes franceses, em suas cores pasteis. Um filme considerado de adulto, que não surpreenderia de nada ao ser completamente compreendido por uma criança como Rachel.


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Post originalmente publicado no Opinião e Notícia

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