segunda-feira, 23 de junho de 2014

Domínio Público: sobre o doc e sobre outras coisas





Domínio Público (dirigido por Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro) é um documentário que fala sobre mudanças no Rio de Janeiro, em função dos mega eventos. Ele foi financiado coletivamente e aborda bastante a questão dos protestos de junho que, de alguma - ou de muitas formas-, mostraram a indignação das pessoas com a Copa do Mundo, principalmente. 

Outros mega eventos aconteceram na cidade nos últimos anos. O primeiro deles foi o Panamericano, em 2007, que pouco legado estrutural ou social deixou. Em 2013, a Jornada Mundial da Juventude e a Copa das Confederações foram motivo de preocupação para muitas pessoas quando a primeira teve que ser transferida de última hora de local, porque o lugar designado alagou; e, a outra, pelos altos preços dos ingressos e o começo do que foi - está sendo- visto na Copa: remoções, especulação imobiliária e violência policial durante manifestações. 

O que mais me chamou atenção nesse filme foi a vontade que eu tive que algumas pessoas assistissem. Infelizmente essas pessoas são justamente aquelas que eu acho que provavelmente não vão assistir. 

Algumas pessoas são de fato contra a realização da Copa. Algumas pessoas não entendem como outras são contra ou não se importam com a Copa. Muitas ficam divididas entre gostar tanto de futebol e ver como o evento serviu para legitimar tanta coisa ruim. Outras não se importam com essas coisas e gostam da Copa, porque sim.  Depois de acompanhar - a distância- remoções, manifestações, acordos e decisões duvidosas por parte do Estado, estou com nojo da Copa. Só isso. Esse filme condensou o assunto de um jeito tão didático que me deixou triste. Tipo uma coisa que finalmente estala, quebra e acaba de vez. 

O filme conta com depoimento de autoridades e especialistas em segurança pública e principalmente de pessoas que, de alguma forma, tem vínculo com as favelas, aqui entendidas como territórios diferenciados e segregados da cidade de fato, tanto na composição geográfica quanto na social. 

Cleonice Dias é Coordenadora do Centro de Estudos e Ações Culturais e de Cidadania (Ceacc), uma ONG que trabalha na Cidade de Deus, em parceria com a Action Aid. Para ela, o território das favelas está sendo ocupado de forma errônea pela polícia militar, que entra nas favelas para tomar o lugar do Estado. Ela fala disso no contexto da ocupação militarizada das favelas no rio, que aconteceu -e acontece- através das Unidades de Polícia Pacificadora (Upps): "Essa polícia vem hoje travestida de boazinha, de policia cidadã, que vai pacificar", completa ela, não parecendo acreditar de fato na pacificação que a Upp pode trazer. 


A própria polícia vê com olhos inseguros o modelo no qual a segurança pública de uma cidade é dividida territorialmente de forma diferenciada, como é a fala do delegado da polícia civil do Rio, Orlando Zaccone. "A critica que se constrói não é a presença da polícia, porque a polícia esta presenta em todos os ambientes da cidade. O que podemos criticar é a transferência do poder de governo para o comandante militar. A partir daí você trabalha esse espaço territorial com um espaço de guerra, conde as pessoas são revistadas e tratadas como suspeitas, etc", comenta ele. 
 Ele ainda se questiona "Não é para dizermos que o modelo anterior de ocupação territorial de grupos armados do tráfico ilícito era melhor, mas qual a diferença entre você ter as decisões sobre a vida de uma comunidade na mão de pessoas armadas no tráfico e transferir essa decisão para a polícia? A polícia tem que ter o papel e seu espaço de atuação dentro da sociedade. Ela não pode expandir". 

Alguns especialistas em segurança pública do Rio têm essa mesma visão da Upp: a polícia não tem que fazer o papel do Estado, de organizar e prover direitos e benefícios. Eu já fiz algumas entrevistas sobre esse assunto e certas coisas que eu ouvi me fizeram concluir que a Upp é um bom projeto, mas mal executado. 

Eleonaldo Julião, sociólogo e professor da UFF me deu uma entrevista uma vez e falou que a ocupação policial não era o objetivo e nem é suficiente para resolver os problemas de criminalidade nem sociais do Rio, coisa que parece tão óbvia, mas, no começo das Upps não era sequer conjecturado por se mostrar como, finalmente, uma movimentação do Estado para integrar as favelas ao resto da cidade. Afinal, a favela faz parte da cidade. O favelado também é cidadão. Não?  "O simples fato da entrada dos policiais não é o suficiente. A política da UPP, na teoria, apresenta uma 'segurança cidadã', que não existe, que está se restringindo a entrada de policiais.Uma das questões que se tentou mostrar durante a ocupação da Vila Kennedy, por exemplo, foi uma serie de ações, como a Comlurb limpando as ruas. Uma série de ações que deveriam estar sendo organizadas junto com as UPPS, mas que não estão se efetivando. E o que vai acontecer, é que as comunidades vão começar a ir contra isso, porque elas começam a se sentir lesadas pelo que é a proposta e pelo que realmente acontece". 


~~A mídia~~

O filme conta com outros depoimentos como Mônica Franciso, coordenadora do Grupo Arteiras e membro da Rede de Instituições do Borel e, como acabo de descobrir, colunista do JB. Ela fala um pouco do incômodo do morador de ter essa situação de militarização - Estado de Exceção. E, vendo ela falar eu penso: como é possível um favelado não detestar a Polícia Militar, que comanda, de forma direta todas as suas ações? 

No artigo chamado Um ano, uma fala destacada por Mônica me chamou atenção: "Galeano diz que na,  América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. E é isso que está sendo subvertido, e é justamente isso que atemoriza, causa espécie, mal-estar". 

Será que a mídia tem realmente o poder de mudar alguma coisa? Eu penso em todas as revoluções que já existiram - as coisas boas e ruins que elas trouxeram e toda a violência que foi preciso. Mas toda a violência que já existia antes. Fico pensando se o mundo é isso mesmo, violência exploratória, que gera violência rebelde, que pode gerar violência controladora e normativa. E só. A mídia parece incitar a violência, ora na esperança de mudar, ora na esperança de manter o status quo. A grande questão da mídia é o seu poder, que deveria ser de informação, mas acaba sendo de convencimento. Mas a linha entre os dois é tão tênue, que não sei se ela existe de fato. 

No doc constam vários depoimentos e os que me chamaram mais atenção foram, não os dos especialistas, mas das pessoas diretamente atingidas. Tanto por sentir a injustiça que elas sofreram quanto por ver quanto essas pessoas estão politizadas e tentando de fato melhorar o território que elas vivem, seja com o apoio do Estado ou não. Em reação à todos esses confrontos, vai surgindo um lugar onde "as pessoas lutam mais e se insurgem mais", como reflete Maurício Campos, engenheiro e membro do Coletivo de Técnicos Voluntários Contra as Remoções.

Depois de toda essa ruminação pensativa e inconclusiva:




ps.: Viva a iniciativa de colocar online o conteúdo. Por um mundo onde TUDO seja assim. 

domingo, 8 de junho de 2014

Cinema Marginal: o vampiro da cinemateca



Jairo Ferreira, autor, protagonista e o próprio Vampiro
O Vampiro da Cinemateca, de 1977, dirigido por Jairo Ferreira é um dos filmes mais experimentais do Cinema Marginal. Com uma linguagem que beira ao documentário, com voz off constante e cortante de Jairo, o filme faz uma montagem com diversas imagens de outras obras cinematográficas e de imagens filmadas com Super8 de Jairo.

Ele se posiciona como um crítico, tanto da cultura de massa, quanto de outras situações. Ele faz críticas também a cultura nacional, e ao cinema novo. Em um momento, ele diz: “O cinema novo é um cadáver gangrenado. Um movimento de direita que se julga de esquero, Glauber rocha diz que vai descobrir o certo através do errado, Glauber é uma instituição brasileira, ou seja, ele vai descobrir que ele é o novo lima Barreto na linha direta de rui Barbosa”. Isso mostra todo o desprezo do movimento marginal pelo cinema novo, ainda que este bebesse nas descobertas e obras daquele. Ainda falando sobre Glauber Rocha, maior expoente do cinema Novo, Jairo faz uma crítica direta “Não adianta Glauber, pode estribuchar. Você nunca vai ser o Maiakovski brasileiro”.

O filme não segue uma linha narrativa clássica, intercalando imagens que parecem aleatórias. O único personagem recorrente é o próprio Jairo, que parece fazer o papel do vampiro da cinemateca. O autor costumava chamar esse tipo de filme de “cinema de invenção”. Em certa hora do filme, ele diz “é preciso inventar novos signos”.

Com muitas referências a arte concreta, a antropofagia de Oswald de Andrade e ao cinema artesanal pré-marginal de Mujica, o Zé do Caixão, Jairo parece querer inventar um novo significado para a arte cinematográfica. Em certo momento, ele diz “estamos na trilha da antropofagia anti-colonialista, metalinguagem, sem linguagem, translinguagem, meta super 8, cinema concreto”. O filme é justamente um exemplo dessas abstrações de Jairo. O filme é metalingüístico, porque fala de cinema e seu papel, além de inserir imagens de outros filmes; é concreto, a medida que faz o cinema pelo cinema, a filmagem pela filmagem, o som pelo som – a arte pela arte- sem a necessidade de contar uma história, pregar uma ideia específica ou se propor a ser didático.

O filme é uma obra da montagem, onde seu todo só adquire alguma significação – experimental e inovadora- através das sequenciação. A relação com Mojica e sua admiração fica clara até no título, fazendo referência ao vampiro, um dos personagens favoritos do Zé do Caixão. Este que foi um dos precursores no cinema de gênero brasileiro e provavelmente o mais bem sucedido no quesito terror. Embora com uma estética e ideologia completamente diferente dos marginais, eles incluíram Mojica no seu movimento. A estética suja, as câmeras e o baixo orçamento eram realmente pontos em comum, mas não o maior deles. O objetivo dos Marginais era usar o grotesco para chocar as pessoas, com um objetivo claramente político, porque afinal, eles próprios eram politizados e jovens que sofriam com a censura. Queriam proporcionar um choque de realidade nas pessoas. E com seus filmes de terror, amadores, grotescos e sem um estudo cinematográfico acadêmico, era justamente isso que Mojica conseguia.


Jairo também quer – e consegue- chocar. Seja com a cena de masturbação, seja com o homem em frente ao espelho, cuspindo sangue. Com as ideias de antropofagia na cabeça, Jairo quer desconstruir o cinema, chocar, fazer pensar, usar referências estrangeiras, mas construir um cinema crítico e que não se tenha visto nada igual antes. Ele consegue de fato ser um dos expoentes do cinema marginal e não se viu nada parecido com seus filmes antes – ou depois, pela força imagética e pela força do próprio diretor que, além de personagem, se torna o próprio filme.

O filme está (uhul) no youtube, dividido em partes, com a qualidade ruim, mas é uma oportunidade vê-lo. Sem brincadeira.  

terça-feira, 3 de junho de 2014

Francês: uma viagem extraordinária

Criança fofa e fotografia incrível

O novo filme de Jean-Pierre Jeunet (diretor de O Fabuloso Destino de Amélie Poulin e Alien, a Ressurreição) conta a trajetória de um menino gênio que inventa uma máquina de movimento perpétuo e ganha um prêmio de uma instituição que não tem ideia que ele é uma criança. Uma viagem extraordinária (The Young and Prodigious T.S. Spivet) é uma mistura de Road movie, aventura infantil, delicadeza e fofura. Francês, sim, em todas as características. Mas rodado em inglês. Vai entender.

O menino se chama T.S. Spivet (Kyle Catlett) e depois de perder seu irmão mais novo num acidente com uma arma no celeiro, que ele presenciou, foge de casa para receber seu prêmio. A criança prodígio desenvolve uma grande culpa pela morte do seu irmão e a depressão da mãe. Ainda sim, qualquer cena do filme poderia ser considerada alegre, se vista sem movimento. As cenas são lindas, chamando atenção pelas cores e indumentária. A fotografia e qualidade técnica são simplesmente incríveis. Quem viu Amélie Poulin lembra de como as cores vibrantes e as misturas quase burlescas fizeram sentido na trama. Acontece o mesmo. A infância permanece durante todo o filme, tanto no carisma do ator-mirim-lindo-fofo, quanto na delicadeza recorrente do cinema francês.  

Outra recorrência no cinema francês a comédia/drama, que não tem um humor de gargalhar, mas de fazer esboçar sorrisos, às vezes seguidos de lágrimas. Todos os perigos que Spivet encontra durante sua viagem não são verdadeiramente perigosos, como o caminhoneiro fotógrafo e o policial bonachão. São elementos que contribuem para sua viagem no estilo infantil, se contrapondo com os insights de adulto do menino. Denis Sanacore fez a trilha sonora, que completa a trama de forma bacaninha. Também está presente a sempre linda Helena Bonham Carter, interpretando a mãe de Spivet. Os temas principais do filme –a morte e a culpa- são tratados de uma forma singela. Jeunet parece buscar um entendimento sobre as questões, do ponto de vista infantil e simples. 

O cinema francês vem fazendo relativo sucesso no Brasil- pelo menos vem sendo exibido constantemente nas salas alternativas do Rio de Janeiro. As comédias/drama estão entre os principais lançamentos e costumam contar com elementos recorrentes: a delicadeza, as cores pasteis ou muito coloridas e uma produção impecável. 

A França é o terceiro país em produção cinematográfica em nível mundial e ocupa a segunda posição na distribuição de filmes no mercado internacional. Em 2005, mais de 73 milhões de pessoas assistiram a filmes franceses em todo o mundo.

Segundo um relatório do Instituto Franco-brasileiro de Administração de empresas (Inbae), o consumo do cinema brasileiro vem mudando nos últimos tempos, mas ainda enfrente dificuldades em colocar os filmes franceses em circuito, que são considerados muito “cult”. Ainda sim,o relatório relembra alguns casos de sucesso, como‘Swimming Pool - À Beira da Piscina’ e ‘As Bicicletas de Belleville’, que tiveram, respectivamente 117 e 105 mil expectadores e foram mantidos por 40 semanas em cartaz no circuito brasileiro.

 Lembrando rapidamente consigo pensar em alguns que fizeram relativo sucesso por aqui: Amour, um drama que não deixou ninguém descartar os lenços; O pequeno Nicolau, que também têm um protagonista menino e fez minha tarde mais feliz; e Grand Central, que não convenceu nem como drama nem como romance.

Bem, para quem mora no Rio de Janeiro, tem duas opções maravilhosas (e gratuitas!) para ficar mais por dentro do cinema francês. A primeira dica é o cineclube Cinemaison Rio, da Embaixada Francesa. Eu nunca consegui ir, mas fico aguando na programação. Toda segunda feira a noite (normalmente as 19h) acontece sessão de um filme francês, com legenda. A programação de junho e julho já está online. E uma novidade: durante esses meses, acontecerão sessões na parte da tarde também. 

A outra dica é a Aliança Francesa. O curso de idiomas está sempre fazendo sessões de filmes franceses, mas com um probleminha (ou problemão): alguns sem legenda. Vale a pena dar uma olhada no site e conferir a programação. Neste mês de junho, os filmes terão a temática do futebol. A Aliança Francesa também promovo exposições, lançamentos de livros e debates.