terça-feira, 15 de julho de 2014

Bansky: Exit Through the Gift Shop


Fiquei mais de uma semana enchendo alguns amigos para vermos esse filme e fiquei um pouco surpresa porque alguns não conheciam. Eu achei que o Banksy fosse absolutamente conhecido, mas parece que ele ainda pode ser considerado minimamente underground. Se você não conhece o Banksy... Bem, ninguém realmente conhece. Ele é um grafiteiro inglês que esconde sua identidade, talvez por isso seja tão famoso. Mas não só por isso. Seus grafitis e estêncils são incontestavelmente interessantes. Além do cunho político, eles se desenvolvem com uma conexão sempre direta com o que está acontecendo, como guerras, violência, cultura digital, etc. Ele também interage bastante com o ambiente, não só pintando coisas aleatórias. Ele é, na verdade, um artista plástico completo: também pinta, faz esculturas e instalações. Ah, ele usa constantemente símbolos de ratos e anarquismo. Se um dia você estiver de rolé em Londres, Bristol ou redondezas, preste atenção.



De qualquer forma, esse documentário,  Exit Through the Gift Shop (todinho no youtube, dá para achar com legenda em inglês, português, sem legenda, etc) fala um pouco sobre ele, mas na verdade foi dirigido por ele. A história é o seguinte: um locão francês que mora Los Angeles chamado Thierry Guetta é completamente viciado em filmar. Ele filma a família, seu trabalho, tudo mesmo. Até que começa a filmar grafiteiros em LA, por influência de um primo, que o apresenta a um artista local. Therry passa um bom tempo seguindo esse cara, que o apresenta a várias outras pessoas.



Ele tem incríveis e inesgotáveis horas de artistas de LA pichando e de suas obras. Ao longo do tempo, vira amigo dos grafiteiros - embora todos o achem um pouco estranho. Até que, um dia, Banksy aparece na cidade e acaba precisando da ajuda de alguém. E esse alguém é Terry. Os dois começam uma parceria, com Therry gravando Banksy, uma coisa praticamente inimaginável já que, na época (entre o final dos anos 90 e 2000- imagino, já que o filme é de 2010) Banksy já era um famoso anônimo. Logo Therry vai para Londres e também faz imagens de pichações, instalações e do ateliê de Bansky.

A questão é que Therry ganhou a confiança de Banksy e fez imagens incríveis. Ele se propôs então a fazer um documentário sobre o assunto, que ficou pronto. Porém, segundo Banksy,o documentário ficou uma bosta. Eu procurei o doc e achei um teaser de 15 minutos (o filme teria pouco mais de uma hora). Eu, particularmente, achei incrível. Apesar de parecer psicodélico, acaba dando uma visão interessante sobre a rapidez com que a cena underground cresce e a velocidade que as pichações se tornam arte e são invariavelmente destruídas. O filme se chama Life Remote Control e eu não tive - ainda - paciência de tentar baixar o filme todo em algum canto da rede. Mas o teaser de 15 minutos está no youtube mesmo.



 De qualquer forma, depois de Bansky achar o filme de Therry uma tortura visual, ele resolve dirigir um doc com as imagens de arquivo de Therry, usando-o como personagem principal. O resultado é empolgante. Vale aqui um adendo sobre Therry, que acaba sendo personagem interessante:





 Ele é tido pelos grafiteiros quase como um mascote. Até que resolve ser artista, o que é, na minha opinião conservadoramente contestado. Ele contrata uma turma de artistas para fazer acontecer suas ideias mais loucas e faz uma exposição gigantesca em LA. Ele acaba se tornando um artista pop- no sentido de reutilizar os ícones pops- mas também no sentido de ficar bastante famoso, conhecido como Mr. Brainwash.Alguns grafiteiros acham que ele não faz uma "arte pura", talvez? Mas eu achei os trabalhos dele uma contestação da mídia, e justamente uma reflexão sobre o que pode e não pode ser considerado arte na contemporaneidade.


Se você quer saber mais um pouco sobre o Banksy, leia essa matéria da Super, que pode dar uma ideia. Uma coisa legal é que o Bansky dirigiu uma abertura de um episódio dos Simpsons. É no mínimo cruel. Ah, ele tem um site oficial também. Hoje em dia ele é um cara que vive de grafiti. Tem gente arrancando os muros que ele picha. Mas ele já fez uma ação legal, onde vendeu as obras por sessenta contos nas ruas de NY. Até agora não tenho certeza porque desse nome para o filme. "Saída pela loja de presente"?





sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sobre 'Junho': o doc e o mês



Confesso que não sou muito de ver documentário no cinema. Não que eu não goste, mas acho que realmente vai da questão que eles simplesmente não passam muito. De qualquer forma, Junho - O mês que mudou o Brasil me fez sair num domingo chuvoso de casa para ver a ÚNICA SESSÃO DISPONÍVEL, NO ÚNICO CINEMA da cidade do Rio de Janeiro. Inclusive deve estar nas últimas semanas de exibição, então corram se quiserem ver. (Ah, o filme também está disponível no Itunes para ser comprado. Lembrando que para baixar você tem que ter o aplicativo e tal. Enfim, se você tem algum produto da Apple, sabe o que fazer. Infelizmente eles não disponibilizaram online para os mortais.)

~~ parênteses (Primeiramente fiquei horrorizada em saber que um filme que estreou no dia 5 de junho, no final do mesmo mês só estava sendo exibido em um cinema, uma sessão disponível. Eu já falei algumas vezes aqui sobre minha felicidade em ver tantos filmes nacionais pipocando, mas a velocidade com que eles entram e saem de cartaz parecem mostrar como as distribuidoras e cinemas não confiam no que estão fazendo.

Segundamente- risos- queria falar que odeio esses subtítulos. "Junho", somente, era um nome muito melhor do que "Junhoomesqueabalouobrasil", misto de clichezão e tentativa de fazer o público entender que o filme se refere à junho de 2013. Se a criatura está saindo de casa para ver uma sessão escassa do filme, tenha certeza que ela sabe à que Junho- o filme se refere. O público não é besta.

Mas, ao filme: quando eu vejo filmes que tem algum interesse prático na minha vida eu uso bloquinhos de anotação, mas dessa vez esqueci. Então comecei a fazer anotações no celular, com o risco de ser chamada de idiota pelos nazi do cinema que não admitem um pio nem luzes. Eu sou a favor dos cochichos, beijos, risadas altas e comentários inconvenientes- na medida certa. -Ok, esse foi mais um parágrafo de falação. Agora, sim: ao filme.) fim dos parênteses ~~

Mas enfim. O filme foca em São Paulo, já que foi produzido pela TV Folha, um canal bacaninha, vinculado à Folha de São Paulo.  O doc é bem cronológico e aborda as principais questões- sem respostas claras- que envolveram os protestos: a violência, a mídia, a polícia e quem eram os manifestantes.

O doc se posiciona de forma interessante, colocando a mídia como uma grande influência na configuração dos protestos, coisa que o Movimento Passe Livre comentou numa entrevista que eu fiz para o JB. O Doc mostra como os jornais e a TV se posicionaram contra os protestos e os manifestantes, numa postura de manter a situação como estava, execrando aqueles que buscavam mudanças. Vários exemplos são dados, como o editorial da própria Folha, que coloca os membros do MPL como retardados aproveitadores, quando diz que "Sua reivindicação de reverter o aumento da tarifa de ônibus e metrô de R$ 3 para R$3,20 -- abaixo da inflação, é inútil assinalar-- não passa de pretexto, e dos mais vis. São jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária, que buscam tirar proveito da compreensível irritação geral com o preço pago para viajar em ônibus e trens superlotados". Outro exemplo vem divulgado foi também o comentário de Arnaldo Jabour, no Jornal Nacional, que culminou na resposta "não é só pelos 20 centavos".

Depois - no filme eles vão colocando, inclusive, os dias em que as coisas aconteceram- a mídia muda de discurso. A Folha, que tinha feito esse editorial citado acima, intitulado "Retomar a Paulista" ~~retomar de quem, jesus, a paulista é do povo~~ , no dia 13/06, fez mais três nos dias seguintes, intitulados "Agente do Caos", no dia 15, que começa falando da truculência da polícia, mas ainda trata a pauta do preço das passagens como irreal e os manifestantes, especialmente o MPL, como um grupo que abriga criminosos.

No dia 19, com artigo intitulado "Incógnita nas Ruas", eles continuam dizendo que a tarifa zero é impossível, mas colocam o MPL de forma mais branda. ~~Mas por que, Folha, por que a tarifa zero é impossível? Basta o transporte ser tratado como direito, não como lucro!~~

Já no dia 20, eles falaram sobre a "Vitória das Ruas", tratando os manifestantes como "força popular" e exaltando-os como poderosos. Bem, Arnaldo Jabour também se retratou, dizendo que os mauricinhos que faziam as manifestações não eram uma classe média tão besta assim.

Acontece que a mídia criticou veementemente aqueles que iam às ruas, especialmente por causa da violência, esquecendo um pouco a violência policial contra pessoas, em favor de objetos- defendendo lojas de depredação, garantindo a segurança da propriedade privada. Aqui, o doc traz uma questão importante: existe revolução sem violência? Até que ponto os flagelados devem se preocupar com mercadorias, lojas, depredação? Não só os flagelados, mas aqueles que - classe média ou não- se importam de alguma forma com a pobreza urbana que veem todos os dias. Aqueles que exploram de forma tão desonesta e injusta, merecem perdão e justiça?. Essa pergunta pode parecer lógica para muitas pessoas, mas é preciso coragem para um filme fazer essa pergunta, com a possibilidade ser acusado de incitar o anarquismocomunismodepredaçãoviolênciaguerraódiocrime, só em questionar.

O fim dos protestos, segundo a visão do filme, se baseia muito na mistura de pessoas que começaram a invadir as ruas e rachas nas pautas.A extrema direita, militantes de partidos, pessoas despolitizadas, que mal sabiam sobre o que eram os protestos. Isso levou à minguar as causas e os protestos. A questão de que as pessoas não deixaram as diferenças de lado por uma pauta maior, por uma pauta só.  Pode ser. Também. Mas eu penso que, depois que a mídia se colocou do lado dos manifestantes, com uma segurada na violência policial, houve justamente o que o pessoal do MPL me falou na entrevista: a perspectiva dos traumas.

As pessoas  ficaram traumatizadas com tanta violência e pelo que foi conseguido - redução das passagens- ser retirado. O MPL também culpa o fim dos protestos pela criminalização dos manifestantes e o Caso Santiago, onde um cinegrafista da Band morreu, no Rio, em fevereiro. Os dois acusados de atirar um fogo de artifício que atingiu o profissional na cabeça estão sendo acusados de homicídio doloso, quando há intenção de matar. Para o MPL, isso é mais uma prova que a mídia, martelando no assunto incessantemente durante dias, também foi bastante responsável pelo fim dos protestos. Bem, pessoalmente, acho que tudo faz parte de uma mistura meio incompreensível que levou ao fim. Mas o que realmente fez diferença foi: pessoas mobilizadas, politizadas continuam fazendo protestos. Mas quem estava indo só na onda, não faria aquilo para sempre. Querendo ou não, para juntar tanta gente, só com a presença de pessoas não tão mobilizadas assim.

A maior parte das pessoas que não era mobilizada em prol de pautas políticas ou sociais antes do protesto, não está mobilizado agora. Acho. O mais importante - pra mim- é a pequena parte que, devido aos protestos se politizou. Não sei se isso aconteceu em grande escala. Mas se os protestos ajudaram a esclarecer algumas pessoas - eu sei que elas existem porque me vejo como uma delas- já valeu grande coisa.

Sempre fui extremamente cética com relação à movimentos sociais, políticos e eleições, num pensamento fechado que não adianta. Está comprado. Uma grande conspiração nos guia. É isso e é isso. Vamos viver a nossa vidinha, fazendo o bem localmente. Só quero me isolar ao máximo de tudo que é ruim e seguir em frente. Se eu seguir na minha consigo minhas coisas e foda-se. Durante os protestos simplesmente ignorei os chamados de amigos que iam às manifestações. Um pouco por realmente não entender direito o que aquilo iria significar- sentia medo de estar sendo manipulada. E por outro lado, pensava que aquelas pessoas que iam não sabiam do que estavam falando. Não sei até que ponto mudei, mas algo mudou. Real e sinceramente.

Pensando melhor, refleti que as pessoas não precisam saber exatamente do que elas estão falando para estarem insatisfeitas. Não precisam saber exatamente quem culpar para ir às ruas. O fato é que a mobilização popular mudou alguma coisa. Ela chocou, abriu os olhos, abaixou as passagens!  E, de uma certa forma Junho de 2013 me fez acreditar na minha profissão novamente (o jornalismo). E sem pieguices, no poder do povo. As redes sociais, uma tecla bem batida no doc, foram essenciais. Um jornalista das antigas chega a falar que as revoluções aconteceram, acontecem e acontecerão, com ou sem internet. Sim. Mas ela foi essencial dessa vez, não pelas convocações, mas sim pelo poder de, nesse país onde a imprensa parece sempre estar do lado do mais forte, mostrar os discursos alternativos. Um complô de pessoas que se importavam enchiam, lotavam, transbordavam as redes sociais com vídeos, fotos e depoimentos que contradiziam o que a mídia falava, ou pelo menos mostrava um outro lado. E os discursos alternativas começaram a fazer muito mais sentido do que o mais difundido. Isso foi simplesmente genial. O discurso alternativo mudou o discurso "oficial", "institucionalizado". Ainda que a Folha seja um grande jornal que errou bastante, esse filme foi um discurso alternativo respeitável.