Domínio Público (dirigido por Fausto Mota, Raoni Vidal e Henrique Ligeiro) é um documentário que fala sobre mudanças no Rio de Janeiro, em função dos mega eventos. Ele foi financiado coletivamente e aborda bastante a questão dos protestos de junho que, de alguma - ou de muitas formas-, mostraram a indignação das pessoas com a Copa do Mundo, principalmente.
Outros mega eventos aconteceram na cidade nos últimos anos. O primeiro deles foi o Panamericano, em 2007, que pouco legado estrutural ou social deixou. Em 2013, a Jornada Mundial da Juventude e a Copa das Confederações foram motivo de preocupação para muitas pessoas quando a primeira teve que ser transferida de última hora de local, porque o lugar designado alagou; e, a outra, pelos altos preços dos ingressos e o começo do que foi - está sendo- visto na Copa: remoções, especulação imobiliária e violência policial durante manifestações.
O que mais me chamou atenção nesse filme foi a vontade que eu tive que algumas pessoas assistissem. Infelizmente essas pessoas são justamente aquelas que eu acho que provavelmente não vão assistir.
Algumas pessoas são de fato contra a realização da Copa. Algumas pessoas não entendem como outras são contra ou não se importam com a Copa. Muitas ficam divididas entre gostar tanto de futebol e ver como o evento serviu para legitimar tanta coisa ruim. Outras não se importam com essas coisas e gostam da Copa, porque sim. Depois de acompanhar - a distância- remoções, manifestações, acordos e decisões duvidosas por parte do Estado, estou com nojo da Copa. Só isso. Esse filme condensou o assunto de um jeito tão didático que me deixou triste. Tipo uma coisa que finalmente estala, quebra e acaba de vez.
O filme conta com depoimento de autoridades e especialistas em segurança pública e principalmente de pessoas que, de alguma forma, tem vínculo com as favelas, aqui entendidas como territórios diferenciados e segregados da cidade de fato, tanto na composição geográfica quanto na social.
Cleonice Dias é Coordenadora do Centro de Estudos e Ações Culturais e de Cidadania (Ceacc), uma ONG que trabalha na Cidade de Deus, em parceria com a Action Aid. Para ela, o território das favelas está sendo ocupado de forma errônea pela polícia militar, que entra nas favelas para tomar o lugar do Estado. Ela fala disso no contexto da ocupação militarizada das favelas no rio, que aconteceu -e acontece- através das Unidades de Polícia Pacificadora (Upps): "Essa polícia vem hoje travestida de boazinha, de policia cidadã, que vai pacificar", completa ela, não parecendo acreditar de fato na pacificação que a Upp pode trazer.
A própria polícia vê com olhos inseguros o modelo no qual a segurança pública de uma cidade é dividida territorialmente de forma diferenciada, como é a fala do delegado da polícia civil do Rio, Orlando Zaccone. "A critica que se constrói não é a presença da polícia, porque a polícia esta presenta em todos os ambientes da cidade. O que podemos criticar é a transferência do poder de governo para o comandante militar. A partir daí você trabalha esse espaço territorial com um espaço de guerra, conde as pessoas são revistadas e tratadas como suspeitas, etc", comenta ele. Ele ainda se questiona "Não é para dizermos que o modelo anterior de ocupação territorial de grupos armados do tráfico ilícito era melhor, mas qual a diferença entre você ter as decisões sobre a vida de uma comunidade na mão de pessoas armadas no tráfico e transferir essa decisão para a polícia? A polícia tem que ter o papel e seu espaço de atuação dentro da sociedade. Ela não pode expandir".
Alguns especialistas em segurança pública do Rio têm essa mesma visão da Upp: a polícia não tem que fazer o papel do Estado, de organizar e prover direitos e benefícios. Eu já fiz algumas entrevistas sobre esse assunto e certas coisas que eu ouvi me fizeram concluir que a Upp é um bom projeto, mas mal executado.
Eleonaldo Julião, sociólogo e professor da UFF me deu uma entrevista uma vez e falou que a ocupação policial não era o objetivo e nem é suficiente para resolver os problemas de criminalidade nem sociais do Rio, coisa que parece tão óbvia, mas, no começo das Upps não era sequer conjecturado por se mostrar como, finalmente, uma movimentação do Estado para integrar as favelas ao resto da cidade. Afinal, a favela faz parte da cidade. O favelado também é cidadão. Não? "O simples fato da entrada dos policiais não é o suficiente. A política da UPP, na teoria, apresenta uma 'segurança cidadã', que não existe, que está se restringindo a entrada de policiais.Uma das questões que se tentou mostrar durante a ocupação da Vila Kennedy, por exemplo, foi uma serie de ações, como a Comlurb limpando as ruas. Uma série de ações que deveriam estar sendo organizadas junto com as UPPS, mas que não estão se efetivando. E o que vai acontecer, é que as comunidades vão começar a ir contra isso, porque elas começam a se sentir lesadas pelo que é a proposta e pelo que realmente acontece".
~~A mídia~~
O filme conta com outros depoimentos como Mônica Franciso, coordenadora do Grupo Arteiras e membro da Rede de Instituições do Borel e, como acabo de descobrir, colunista do JB. Ela fala um pouco do incômodo do morador de ter essa situação de militarização - Estado de Exceção. E, vendo ela falar eu penso: como é possível um favelado não detestar a Polícia Militar, que comanda, de forma direta todas as suas ações?
No artigo chamado Um ano, uma fala destacada por Mônica me chamou atenção: "Galeano diz que na, América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. E é isso que está sendo subvertido, e é justamente isso que atemoriza, causa espécie, mal-estar".
Será que a mídia tem realmente o poder de mudar alguma coisa? Eu penso em todas as revoluções que já existiram - as coisas boas e ruins que elas trouxeram e toda a violência que foi preciso. Mas toda a violência que já existia antes. Fico pensando se o mundo é isso mesmo, violência exploratória, que gera violência rebelde, que pode gerar violência controladora e normativa. E só. A mídia parece incitar a violência, ora na esperança de mudar, ora na esperança de manter o status quo. A grande questão da mídia é o seu poder, que deveria ser de informação, mas acaba sendo de convencimento. Mas a linha entre os dois é tão tênue, que não sei se ela existe de fato.
Será que a mídia tem realmente o poder de mudar alguma coisa? Eu penso em todas as revoluções que já existiram - as coisas boas e ruins que elas trouxeram e toda a violência que foi preciso. Mas toda a violência que já existia antes. Fico pensando se o mundo é isso mesmo, violência exploratória, que gera violência rebelde, que pode gerar violência controladora e normativa. E só. A mídia parece incitar a violência, ora na esperança de mudar, ora na esperança de manter o status quo. A grande questão da mídia é o seu poder, que deveria ser de informação, mas acaba sendo de convencimento. Mas a linha entre os dois é tão tênue, que não sei se ela existe de fato.
No doc constam vários depoimentos e os que me chamaram mais atenção foram, não os dos especialistas, mas das pessoas diretamente atingidas. Tanto por sentir a injustiça que elas sofreram quanto por ver quanto essas pessoas estão politizadas e tentando de fato melhorar o território que elas vivem, seja com o apoio do Estado ou não. Em reação à todos esses confrontos, vai surgindo um lugar onde "as pessoas lutam mais e se insurgem mais", como reflete Maurício Campos, engenheiro e membro do Coletivo de Técnicos Voluntários Contra as Remoções.
Depois de toda essa ruminação pensativa e inconclusiva:
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