Nada a declarar, quando declarar não é declamar. @gisele_motta gisele.motta@outlook.com
quarta-feira, 2 de abril de 2014
O Fim e o Princípio
O Fim e o Princípio começa com Eduardo Coutinho falando que ele e sua equipe foram até a Paraíba fazer um filme sem nenhuma pesquisa previa, em quatro semanas. O que eles queriam era achar uma comunidade rural que os aceitasse, e procurar bons personagens para fazer um retrato do interior do Nordeste brasileiro. Talvez eles não achassem nada...e aí o filme seria sobre isso. A busca incessante que não deu em nada.
Felizmente deu em alguma coisa. Bastante coisa. O doc consegue retratar a realidade do sertão, caindo certeiro em cima desse tema rural depois das últimas produções de Coutinho terem sido sobre a cidade: Edifício Master e Babilônia 2000, ambos retratando paisagens e personagens urbanos cariocas.
Eles tem a semelhança de se basearem quase que exclusivamente no que os personagens podem proporcionar, o que eles podem trazer para quem assiste o filme. O Fim e o Princípio traz a temática da morte muito presente, no ponto em que consegue encontrar sertanejos idosos, alguns que parecem centenários, que tem uma visão única sobre a pobreza e a morte que se aproxima. Coutinho parece assim, fazer um paralelo com a sua própria idade e morte próxima, já que ele estava com 72 anos quando fez o filme.
Por mais que em Edifício Master e Babilônia 2000 nos coloquem em contato com personagens diferentes, quase que excêntricos, ainda assim, eles não proporcionam o contraste que O fim dá. A diferença da estética nordestina é clara assim que os entrevistados aparecem em tela: a pele bronzeada, as rugas fortíssimas, o rosto castigado pelo sol, ainda sim, idosos fortes, acostumados ao exercício diário necessário para os trabalhos rurais.
Esse tipo de iniciativa, de ir até o interior do país para tentar mostrar ao Brasil justamente o que é o Brasil, pareceu uma preocupação real de Coutinho. O homem urbano contemporâneo, aquele que mais vai ao cinema, mal vê o que acontece no interior do país. Mal tem noção de como é a vida, a cara das pessoas, se não se aventurar para além das praias paradisíacas das cidades turísticas nordestinas.
Lindamente o filme também está completo no Youtube. Sejamos felizes
Cinema Marginal: Os Monstros de Babaloo
Os Monstros de
Babaloo (1971), dirigido por Elyseu Visconti é um filme marginal, sem dúvidas.
Porém, para quem já viu algumas obras do Cinema Novo e do Cinema Marginal, fica
a impressão de que ele é mais linear e menos fragmentado. O que não tira em
nada a inovação e o experimentalismo do movimento.
Enquanto muitos filmes marginais impediriam que uma resenha como essa começasse com a frase “o filme conta a história de...”, esse é razoavelmente tranquilo de identificar o tema e a história principal. O filme conta a história de.... Bem, de uma família industrial/burguesa carioca, retratando o relacionamento nada saudável entre seus membros e fazendo uma crítica severa aos valores dessa classe.
O filme tem uma
característica acentuada do grotesco e de um cinema que precisa agredir o
espectador para se fazer entender. As cenas onde o filho com problemas mentais
(Kleber Santos) é maltratado pela mãe, ou torturado por homens
desconhecidos, são extremamente incomodas e esta segunda faz um paralelo direto
com a ditadura militar que censurou completamente o filme, na época. Todo o
filme tem diversas metáforas para lidar com o regime e com as mudanças sociais
e políticas dos anos 1970.
Quando a família
canta uma música que era símbolo de nacionalismo, ao mesmo tempo podemos ver
como eles são tratados de forma grotesca e feia. A matriarca da família (Wilza Carla) é obesa e em alguma cenas come de forma
fervorosa, até fazer com o que quem assiste fique enjoado. Ela trata seu filho,
com problemas mentais, como um constante incômodo.
O
chefe-da-família, por sua vez, mostra total inabilidade de lidar com os
próprios negócios, tem uma imagem velha e um tanto débil, sendo passado para
trás pela mulher e também pelas amantes, que só o querem por seu dinheiro.
O interesse e
aprovação burguês do estilo de vida americano é presente o tempo todo: toca-se
uma música sentimental em inglês, o irmão com problemas mentais e a irmã
(Helena Ignez) usam camisetas de universidades americanas e a menina diz que precisa
ir para Nova York. Além disso, em certa cena, a mãe diz que quer ir para bem
longe do país, para um outro lugar. Isso demonstra muito da “geleia cultural”
que veio com o Tropicalismo, passando pela antropofagia de Oswald de Andrade,
onde o Brasil consegue se afirmar sua identidade nacional sem rechaçar a
influência de outras culturas, mesmo as que são julgadas como opressoras:
europeia e americana.
O filme é realmente mais engraçado do que muitos do cinema
marginal costumam ser. Tem uma forte relação com as chanchadas, lançando piadas
e performances dos atores bastante voltadas para a comédia escrachada,
especialmente a empregada Zezé Macedo, que tem um papel surpreendentemente
cômico. As alegorias são essenciais no cinema marginal, e nesse filme elas são
bastante claras quando remetem o tempo todo a uma família burguesa quase que
grotesca.
O filme está completo no Youtube, embora a qualidade não seja tão boa.
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