domingo, 8 de junho de 2014

Cinema Marginal: o vampiro da cinemateca



Jairo Ferreira, autor, protagonista e o próprio Vampiro
O Vampiro da Cinemateca, de 1977, dirigido por Jairo Ferreira é um dos filmes mais experimentais do Cinema Marginal. Com uma linguagem que beira ao documentário, com voz off constante e cortante de Jairo, o filme faz uma montagem com diversas imagens de outras obras cinematográficas e de imagens filmadas com Super8 de Jairo.

Ele se posiciona como um crítico, tanto da cultura de massa, quanto de outras situações. Ele faz críticas também a cultura nacional, e ao cinema novo. Em um momento, ele diz: “O cinema novo é um cadáver gangrenado. Um movimento de direita que se julga de esquero, Glauber rocha diz que vai descobrir o certo através do errado, Glauber é uma instituição brasileira, ou seja, ele vai descobrir que ele é o novo lima Barreto na linha direta de rui Barbosa”. Isso mostra todo o desprezo do movimento marginal pelo cinema novo, ainda que este bebesse nas descobertas e obras daquele. Ainda falando sobre Glauber Rocha, maior expoente do cinema Novo, Jairo faz uma crítica direta “Não adianta Glauber, pode estribuchar. Você nunca vai ser o Maiakovski brasileiro”.

O filme não segue uma linha narrativa clássica, intercalando imagens que parecem aleatórias. O único personagem recorrente é o próprio Jairo, que parece fazer o papel do vampiro da cinemateca. O autor costumava chamar esse tipo de filme de “cinema de invenção”. Em certa hora do filme, ele diz “é preciso inventar novos signos”.

Com muitas referências a arte concreta, a antropofagia de Oswald de Andrade e ao cinema artesanal pré-marginal de Mujica, o Zé do Caixão, Jairo parece querer inventar um novo significado para a arte cinematográfica. Em certo momento, ele diz “estamos na trilha da antropofagia anti-colonialista, metalinguagem, sem linguagem, translinguagem, meta super 8, cinema concreto”. O filme é justamente um exemplo dessas abstrações de Jairo. O filme é metalingüístico, porque fala de cinema e seu papel, além de inserir imagens de outros filmes; é concreto, a medida que faz o cinema pelo cinema, a filmagem pela filmagem, o som pelo som – a arte pela arte- sem a necessidade de contar uma história, pregar uma ideia específica ou se propor a ser didático.

O filme é uma obra da montagem, onde seu todo só adquire alguma significação – experimental e inovadora- através das sequenciação. A relação com Mojica e sua admiração fica clara até no título, fazendo referência ao vampiro, um dos personagens favoritos do Zé do Caixão. Este que foi um dos precursores no cinema de gênero brasileiro e provavelmente o mais bem sucedido no quesito terror. Embora com uma estética e ideologia completamente diferente dos marginais, eles incluíram Mojica no seu movimento. A estética suja, as câmeras e o baixo orçamento eram realmente pontos em comum, mas não o maior deles. O objetivo dos Marginais era usar o grotesco para chocar as pessoas, com um objetivo claramente político, porque afinal, eles próprios eram politizados e jovens que sofriam com a censura. Queriam proporcionar um choque de realidade nas pessoas. E com seus filmes de terror, amadores, grotescos e sem um estudo cinematográfico acadêmico, era justamente isso que Mojica conseguia.


Jairo também quer – e consegue- chocar. Seja com a cena de masturbação, seja com o homem em frente ao espelho, cuspindo sangue. Com as ideias de antropofagia na cabeça, Jairo quer desconstruir o cinema, chocar, fazer pensar, usar referências estrangeiras, mas construir um cinema crítico e que não se tenha visto nada igual antes. Ele consegue de fato ser um dos expoentes do cinema marginal e não se viu nada parecido com seus filmes antes – ou depois, pela força imagética e pela força do próprio diretor que, além de personagem, se torna o próprio filme.

O filme está (uhul) no youtube, dividido em partes, com a qualidade ruim, mas é uma oportunidade vê-lo. Sem brincadeira.  

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