segunda-feira, 10 de março de 2014

O Robocop de Padilha


Tenho ouvido - e lido- muito a respeito do Robocop que desde que começou a aparecer é seguido pela expressão "do Padilha". Por que importa tanto o Robocop ser do Padilha? Ou será que o Robocop só importa, pelo menos para nós, por que é de Padilha? É isso.

O interesse de muitas pessoas na superprodução é claramente referente ao papel de Padilha como diretor. Boa parte do público que vai assistir é aquele regular de filmes de ação "industriais", ou de filmes de "super-herói". Mas eu tenho visto muita gente que não assistiria esse tipo de filme querendo conferir a produção só pelo diretor. E o que está acontecendo para ele estar em uma superprodução de 130 milhões de dólares.

Bem, eu acho que as barreiras estão diminuindo. José Geraldo Couto falou que para o que os produtores queriam, Padilha era o suficiente. No sentido de que eles queriam um filme de ação, hollywoodiano, com alguma perspectiva política. O crítico ainda diz que outros diretores poderiam elucidar as questões em pauta -violência, inteligência artificial, relação médico/monstro- de forma muito melhor. Talvez sim, mas como ele mesmo disse, não era o objetivo. O objetivo é um filme de herói para a massa. Isso é tão ruim assim? E eles ainda estão com muita moral por juntar isso com elucidações bem feitas sobre questões morais e políticas, mesmo que não transforme o negócio num embate ideológico intelectual.

Foi melhor - muito melhor- do que os últimos filmes de ação que eu vi nos últimos tempos. (Lembro claramente que queria me enfiar num buraco quando fui ao cinema ver a quinta sequência de Duro de Matar. Ainda levantando questão das armas biológicas e da Rússia do mesmo jeitinho que se tivesse sido feito durante a Guerra Fria.)

Vejo de forma bem positiva a inserção de Padilha em Hollywood.  Só mostra que as indústrias estão mais abertas à outras formas de fazer arte. Vale lembrar que o roteiro não é dele, e não sei qual foi sua influência na criação das cenas. Mas as inserções do repórter americano ufanista para mim fizeram todo sentido no discurso latino-americano da coisa. É assim, como uma caricatura, que os absurdos americanos parecem para nós- pelo menos para mim.

A cena onde o Robocop tira sua armadura também foi surpreendente. E não muito agradável. Fico imaginando se num blockbuster de uns anos atrás, com um diretor americano essa cena existiria. É clara ali a vontade de sacudir o espectador. Pelo menos me sacudiu. Quando reclamam da exposição da violência de Padilha, entendo. Mas as vezes assim, chocando, se faz pensar e dialogar.

Agora falando mesmo da direção, se o intuito era mostrar a automatização da violência, conseguiu. As sequências de ação - que para um filme de ação não são muitas (para frustração da minha mãe, fã de carteirinha de filme bobagento só com luta e sangue)- foram realmente boas.

Padilha fez o trabalho dele, dirigindo um filme hollywoodiano. Não é porque ele é brasileiro, ou andou fora desses circuitos, que não merece seu pezinho na indústria e ganhar algum dinheiro. E, querendo ou não, subiu sim o nível dos filmes de ação.


terça-feira, 4 de março de 2014

'Eles voltam' e a volta por cima do cinema nacional


"Eles Voltam" estreia na próxima sexta-feira, dia 7 de março. O título promete, mas bem, acontece que eles não voltaram. A história conta a trajetória de Cris, que depois de uma briga com o irmão, é deixada na estrada pelos pais. Depois de perceberem que os pais não vão voltar, o irmão sai para procurar ajuda. Cris continua no meio da estrada do interior, esperando. Até que vê que ninguém vai voltar, e segue, meio que sem rumo, em frente. No começo, nem dá para saber se ela realmente quer voltar para casa ou não, tamanho seu silêncio e aceitação. 

Ela é ajudada por um adolescente que mora em um acampamento do MST, o que contrasta incrivelmente com sua origem de classe média de Recife. O que constrói o filme são essas contradições brasileiras que todo mundo sabe que existe, mas poucas pessoas presenciam. Quantos, provenientes da classe média urbana, já estiveram em um acampamento do MST? 

É interessante também a retomada do cinema nordestino, especialmente quando se vive no pólo Rio-São Paulo. Ir no cinema e ver um outro tipo de Brasil, de brasileiro é simplesmente bonito. Pensamos no Brasil e encarnamos os cariocas como brasileiros, esquecendo que num país com mais de sete milhões de metros quadrados e mais de 200 milhões de pessoas, ser carioca é ser do Rio, e não ser do Brasil. Rio e São Paulo englobam pouco mais de 30 milhões. São 170 milhões espalhados pelo resto do território, fazendo cultura, festa e cinema, de um jeito diferente. E tão pouco chega até nós! Acabamos nos acostumando com a produção do mesmo, com os mesmos sotaques, os mesmos problemas, as mesmas belezas. E ninguém parece perceber. Até tomarmos uma porrada na cara, como foi O som ao redor. E a partir disso, outros empurrões, como Cine Holliúdiy e, agora, Eles Voltam. 

Maria Luiza Tavares, encarnando Cris, de 12 anos, tem um sotaque encantador, assim como Elayne de Souza, uma amiga da família que ela finalmente encontra depois de certo tempo. O diretor do filme, Marcello Lordello, escolheu, no seu filme de estreia, trabalhar com não-atores. Essencial. Impossível para um ator ter as rugas e os trejeitos da mãe do menino do MST, que socorre Cris. Talvez impossível alguém interpretar a passividade de Cris, que parece ser mesmo é de Maria Luiza. Em entrevista, Marcello disse que quis não atores depois de assistir Iracema, uma Transa Amazônica, do Orlando Senna e do Jorge Bodanzky e Os Incompreendidos, de Truffaut,. 

Interessante também a trajetória do irmão não ser mencionada. Interessante e acertado. Cris é o centro, não porque é protagonista, mas porque é uma das protagonistas de inúmeras histórias. A impressão é que cada personagem daria um filme. A beleza natural de Elayne, sua história de jovem meio perdida, a intelectualidade brasileira em meio a pós graduação, drogas e amores sem jeito poderiam dar outro filme (por favor!). Sem contar as filhas da senhora do MST que, num segundo momento, ajuda Cris. Como será a vida dessas meninas do interior, do MST, que ajudam a mãe como faxineira, mas querem fazer faculdade em outra cidade? 

O filme vale a pena pelos sotaques, pela beleza das cenas e pelo silêncio, que as vezes é difícil de encontrar na dose certa. Que mais gente do nordeste chegue até o circuito nacional. E mais gente do sul, centro-oeste, norte... Mais uma vez penso no dia que todos as salas de um cinema serão ocupados por filmes nacionais, não seria tão bonito?