Soylent Green é um filme impactante. "The horror, the horror", diriam
alguns. Produzido em 1973 e dirigido pelo esquecido Richard O. Fleischer é um
filme de ficção-científica com forte viés ecológico. Discute com
propriedade questões levantadas durante os anos 1960 com o surgimento dos movimentos ecológicos, que cresceram junto com a contracultura, os movimentos negros, feministas e homossexuais. A história tem como universo o ano de 2020, num mundo degradado, superpopuloso, superaquecido e no qual falta comida.
~~ Richard O. Fleischer é um desconhecido para a geração mais jovem. Nascido em 1916, e produzindo filmes entre a década de 1940 e 1980 não é de se estranhar esse fato. O diretor, porém, está a frente de adaptações clássicas como 20000 léguas submarinas (1954) e O Fabuloso Doutor Dolittle (o de 1967, não aquele com o Eddie Murphy, mas um musical que é a primeira adaptação cinematográfica dos livros infantis de Hugh Lofting). Ele nasceu dentro do mundo do entretenimento: seu pai é o idealizador de Betty Boop e quem levou Popeye às telas. ~~
O filme
começa com uma compilação de fotos de degradação obviamente reais que
introduzem o horror que será o filme para aqueles que se preocupam com o meio
ambiente. Faz lembrar as imagens devastadoras de Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais.
Ainda, o sentimento é semelhante ao proporcionado pelo livro 1984,
de George Orwell. É um misto de espanto e medo, ao perceber os horrores destas
distopias fictícias e o quão próximo estamos
delas. É um filme daqueles que você sai da sala de cinema querendo largar tudo, ir acampar por um ano e talvez nunca mais voltar.
Em Soylent Green pessoas pobres disputam comida a tapas, dormem amontoadas pelos corredores de prédios, e são retiradas das ruas com a ajuda de tratores e colheitadeiras. quando se rebelam. Até aí, a fome, a falta de habitação e a truculência estatal fazem são paralelos bem atuais para o Brasil e o mundo. Para além disso, os alimentos são restritos às pastilhas fornecidas pelo Estado, chamados de Soylent enquanto só os ricos se alimentam bem. Soylent é uma palavra inventada no livro de Harry Harrison, "Make Room! Make Room!", um neologismo que mistura Soy (soja) e lentil (lentilha) e no qual o filme tem alguma inspiração. Soylent Green, que dá nome ao filme, é uma pastilha nova que vem sendo introduzida porque os componentes para fazer as outras (soja e algas, se não me engano) estão acabando. As mulheres ricas são objetificadas e colocadas a mercê dos homens de poder. E ainda devem ficar feliz com isso, porque a outra opção é a total penúria.
Nesse mundo onde sabonete, carne, morangos e todo o resto é restrito, o filme conta a história do policial Robert Thorn (Charlton Heston). Por sinal, "Thorn", em inglês, significa "desconforto, irritação", justamente aquilo que o filme passa para os espectadores e o que Thorn acaba virando para a corporação policial e para os ricos ao "investigar mais do que o necessário". Nos é apresentada uma Nova York superpopulada com 40 milhões de habitantes, onde Thorn é designado para investigar a morte de um milionário e não tem pudor em se aproveitar das regalias que encontra na casa e que nunca tinha visto. Aos poucos, o cenário apocalíptico é mostrado, enquanto Thorn tenta desvendar o mistério de quem matou o empresário. O que Thorn descobre no final [OPA, SPOILER MASTER] é que parte dessas pastilhas comestíveis, mais especificamente o Soylent Green é feito dos humanos que morrem. O empresário havia sido morto porque, velho, começava rever aquilo com o que estava compactuando.
Se ainda não chegamos ao ponto de institucionalizar a transformação de
cadáveres (ufa!) em comida, o filme vem alertar, com um cenário mais do que apocalíptico, para a degradação ambiental que temos hoje e o que ela vem causando e pode causar: aquecimento global, contaminação das águas e do solo, concentração populacional, pobreza generalizada, etc. Ao criar uma dicotomia clara entre a classe governante e a
governada, entre os milionários e os paupérrimos, preconiza o que vemos hoje:
uma concentração de renda cada vez maior, onde 1% da população mundialdetém 50% de todo o PIB do planeta. A Onu afirma que, na verdade, não existe pouca produção de alimento, mas má distribuição, o que causa o mesmo efeito da escassez: fome.
Este é um filme de ficção científica de seu tempo. Não espere efeitos especiais alucinantes que foram possíveis em poucos momentos da época. Mas a mensagem é extremamente atual. A ficção científica anterior aos anos 60 retratava mais frequentemente a temática das guerras tecnológicas, exploração do espaço, fazendo um forte diálogo com a Guerra Fria. Entre as referências dos anos 1950 podem ser incluídas The War of the Worlds (1950), dirigido por Byron Haskin, com roteiro baseado no livro A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells; Destination Moon (1950), de Irving Pichel; Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick.
Nos 1970 surgem novas concepções da ficção científica, que engloba os impactos da ciência e da tecnologia na vida humana. São representantes desta década, THX 1138 (1970), de George Lucas; Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick, a série Mad Max e o Soylent Green, de Fleischer. Esses filmes fogem das temáticas específicas das guerras e corrida espacial e discutem a sociedade do controle e da disciplina, a intervenção da tecnologia na vida das pessoas e o impacto do modo de vida humano no planeta. Soylent Green, tem como temática principal a falta de comida devido a degradação ambiental causada pelo homem e é um filme extremamente relevante de sci-fi da época.
Não achei o filme em boa qualidade no youtube. Só na versão em espanhol: https://www.youtube.com/watch?v=z4zm_cZYgxo
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