segunda-feira, 27 de abril de 2015

Triste Baía: repensando o assunto, produção e bastidores





A ideia do curta começou com tristeza mesmo, por isso o nome. A Baía é triste, é tudo triste, eu fico triste quando passo pelo Fundão, tanto pelo estado dos canais que cercam a ilha quanto pelo engarrafamento; fico triste quando passo pela Ilha do Governador e vejo aquelas praias lindas embaixo dos viadutos; quando vou à Paquetá e tudo que tem lá é peixe morto; quando vou à Praia Vermelha e fico com medo de entrar na água e pegar uma pereba braba. Fico triste de verdade. E o perigo disso é desistir. É dizer que já era, que não tem mais jeito, que daqui é pra pior. Não, não é assim. Tem muita gente lutando de verdade pelo meio ambiente. Tem gente indo em audiência pública, acampando (como o pessoal do Golfe para quem?), processando, fazendo abraço em árvore, promovendo cursos, conhecimento, discutindo e conseguindo resultados. É o que Alex, o pescador, nos contou sobre a construção de mais uma pista do Galeão. Não, eles não aceitaram. Protestaram até o projeto dar pra trás. E a reforma do pier. Eles não desistiram. Estão aí, lutando por um pier melhor, fazendo mutirão, convocando as pessoas, disseminando o problema e buscando soluções. 

Colhereiro: não queria ser fotografado
Sérgio Ricardo, ambientalista e um dos entrevistados,  teve uma das falas que mais me impactou: para ele, existe um discurso de que a Baía está morta. Se ela estiver morta, pode degradar ainda mais, pode fazer o que quiser. Mas a experiência de ir na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim me mostrou o contrário. Lá, é como se a Baía nunca tivesse sido tocada. E, apesar de curtir o bondinho, o calçadão de Botafogo e o Aterro do Flamengo, achei a Baía intocada muito mais bonita. 

Garça posando para as câmeras


Mais especificamente o Triste Baía fala sobre os imbróglios envolvendo a despoluição da Baía de Guanabara, que teve seu primeiro plano de despoluição idealizado há mais de 20 anos. Foram quatro entrevistados que são envolvidos seriamente com a questão ambiental. A ideia do curta surgiu quando eu estagiava no Jornal do Brasil Online, em 2014. Fiz várias reportagens sobre a despoluição da Baía de Guanabara e entrevistei o biólogo Mário Moscatelli. Achei incrível a dedicação dele e, mais ainda, o discurso dele foi um tapa na cara. Toda a ingenuidade que eu poderia ter sobre a gestão do meio ambiente foi por água abaixo quando entendi o que ele dizia. Não existe má gestão, o dano é intencional e existe por causa da ganância inerente ao nosso sistema político-econômico. Moscatelli monitora a quinze anos diversos sistemas lagunares do Rio, entre eles as lagoas de Jacarepaguá e a Baía de Guanabara. As primeiras entrevistas que eu fiz com ele foram muito impactantes, porque normalmente os entrevistados não querem ser considerados radicais, então medem cada palavra que falam. Ele não era assim. Falou, com muita expertise, sobre tudo que eu perguntava. Foram matérias que eu gostei bastante de fazer. Vou colocar aqui embaixo.







Equipe feliz porque eu não dirigi neste dia e o Moscatelli nerd
Pois bem, depois dessa sequencia de reportagens, vi a chamada do edital e fiquei com aquilo na cabeça. Escrevi tudo que eu tinha aprendido sobre o tema e pronto! Durante a produção do filme, conheci o Alex Santos, pescador da região de Tubiacanga, Ilha do Governador e, através dele, o ambientalista Sérgio Ricardo. Fiquei chocada ao ver o estado da Baía de Guanabara de perto. No caso, Tubiacanga. A parte da Baía que dá para a Praia de Botafogo, Flamengo, Marina da Glória, etc ainda é mais maquiada. Mas experimenta ir nas margens do Canal do Cunha. A palavra triste perde até o significado. (aiai)

Margem de Tubiacanga, Ilha do Governador

Nos encontramos em Tubiacanga, fizemos fotos, conversamos muito e pudemos observar o estado da margem do lugar, o estado do píer. Foi muito triste perceber como o diálogo entre os pescadores e o Ministério da Pesca e as secretarias é falho. Não é por falta de atenção dos pescadores, que são bem organizados em uma associação, buscam seus direitos junto ao MP, e junto aos órgãos competentes. Eu sinceramente ainda não tinha entendido qual era o problema. Só descaso? Até o Moscatelli dar um daqueles tapas bem dados que mudam sua concepção sobre um assunto: "isso se chama industria da degradação. Não é burocracia, não é má gestão. Despoluição não dá dinheiro e exploração máxima sim". Esse é o resumo da ideia. O desgoverno que vivemos não se importa em explorar ao máximo todos os recursos ambientais. Essa parece ser aquela ideia de conspiração máxima, mas não é. A degradação na Baía de Guanabara é algo tão antigo quanto o Rio de Janeiro. É uma cultura de exploração que está sendo muito bem aceita até agora, obrigada. 

Não é que agora os interesses econômicos na Baía começaram. Nem a degradação.  Desde a colonização é assim. O primeiro grande prejuízo ambiental da Baía acontece ainda no século XVI. Logo que o Rio de Janeiro é habitado, as matas das Ilhas da Baía e da costa transformam-se em reservatório de madeira para os mais diversos fins. Depois, se instala a caça às baleias. Elas usavam as águas calmas da Baía para ter e criar seus filhotes e quando chegavam na região eram caçadas para os mais diversos fins: sua gordura era usada para a iluminação da cidade ou misturada com cal para fabricação de cimento. E a predação gerava outros problemas. As armações para caça das baleias causavam mal cheiro e poluíam as águas, assim como os restos mortais dos animais. Porém, isso foi ignorado e a pesca de baleias se tornou tão importante economicamente que foi monopolizada por Portugal. Tirando isso, ainda existe todo o esgoto da cidade, que era levado à céu aberto até a Baía. O esgotamento do Rio só começa no século XIX.  Essas informações vieram especificamente do livro Baía de Guanabara, do Victor Coelho. É uma aula. (Por sinal uma aula incompleta na minha vida porque não terminei de ler, mas enfim,..)

O que temos que entender é que a poluição e a degradação ambiental em função de benefícios econômicos não é de hoje. É desde que o mundo é mundo, ou que o capitalismo existe, sei lá. São poucos as iniciativas de desenvolvimento sustentável em função da Baía de Guanabara - e pensando bem, em função de qualquer coisa no Brasil. E no mundo? Por isso mesmo, elas tem que ser mostradas e incentivadas. E por isso fiz questão de ir até a APA de Guapimirim, onde fomos guiados pelo chefe de lá, Maurício Muniz. Eles tem projetos de desenvolvimento sustentável junto com os pescadores e moradores locais. Fiquei sabendo que boa parte dos caranguejos que comemos vêm daquela região. Embora não tenhamos nos aprofundado nestas questões das iniciativas da sociedade civil, isso vem se formulando na minha mente. As Ongs, os projetos, os coletivos vem movimento todas as cenas e o que mais precisam é divulgação. Projeto pro futuro. 

A Sylvia Palma, um dos interlocutores do Futura com os proponentes me disse uma cosia que eu não esqueci: se você começa e termina um filme com a mesma opinião e ideia com a qual começou, alguma coisa tá errada. Então acho que tudo deu muito certo, porque o filme se transformou totalmente ao longo da produção e eu também. 

A produção: dicas para quem quer fazer um curta? 

Devo confessar que a produção do curta foi relativamente tranquila. Eu conhecia "bastante" o assunto por conta das matérias que já tinha feito e já tinha contato com os entrevistados. O que mais pegou foi aluguel de equipamentos, agenda dos entrevistados e utilização de equipamento. Por mais que o espaço dado pelo Futura seja ótimo, acreditem, seis mil reais não é nada para fazer um filme. 

Equipamentos são caros, é fato. O ideal é ter alguém que tenha as coisas. Consegui alguém assim, então ficou faltando o equipamento complementar de som: alguns dias gravador, outros o microfone. Consegui coisas bem baratinhas (aluguel de diária por R$50. Mas foi correria). Já a música que eu queria originalmente utilizar (Triste Bahia, do Caetano Veloso) iria me custar $1000. Tentei de tudo com quem tem os direitos da música (a Warner), mas não teve jeito deles liberaram a música de graça. E olha que eram só 20 segundos da abertura. Felizmente tenho a sorte de conhecer uns músicos talentosos que fizeram uma trilha original de graça. Uma coisa legal que a tecnologia proporciona é cada um fazer suas coisas na sua casinha. Eu não participei da produção das músicas presencialmente. Só ia dando minha opinião por email, pedindo ajustes. E deu certinho.

Equipe lindona! 

Uma grande dica é: trabalho coletivo é ótimo, mas divisão de função é melhor ainda. É muito legal poder construir uma narrativa e todo o resto em conjunto, mas na hora de fazer o filme achei  essencial a divisão de função (pelo menos foi essa a minha experiência nesse momento). Cada um faz uma coisinha, não dá muito pitaco no trabalho do amigo que tá concentrado. Outra coisa é conhecer bem o equipamento. TEM QUE testar TUDO antes. Câmera, bateria, som. Quando eu digo antes, é antes de sair de casa, não no local, antes de entrevistar. E chamar alguém que saiba o que tá fazendo. O que não foi o nosso caso, já que ninguém era muito experiente. Aprendemos algumas coisas durante a produção depois de nos ferrarmos - o áudio não ficou perfeito, tivemos muitas imagens tremidas que não tinham como ser usadas, tivemos problemas com as cores porque não prestamos tanta atenção nas diferenças da luz: uns com muito sol e outros com muita sombra... Enfim, várias coisas.

Contrate um motorista ou chame um amigo. Eu usei o carro da minha mãe em algumas gravações e foram as piores. Motoristas amadores não conhecem os caminhos (e atalhos) que os motoristas profissionais conhecem - ou amigos motorizados que sabem o que estão fazendo. Isso me fez gastar muito tempo e chegar nos locais estressada e cansada. O diretor tem que se concentrar na sua função, mas quando a questão é cortar os custos... Motoristas profissionais também sabem aonde te levar se você descrever o que quer fazer.

Por último: por mais que eu tenha inscrito a ideia, o filme não é meu. É de toda a equipe. Sem o trabalho de um deles, tudo daria errado. Ou melhor, o tudo seria nada. Fazer um filme é um processo coletivo assustador. Você tem que contar de verdade com aquelas pessoas e elas tem que saber disso. Tem que ter sintonia. Não sente para fazer um filme com quem você tem muitas desavenças, a não ser que queira trabalhar nelas. Outra: Se você quer ter um maior controle sobre o resultado do filme, edite-o. O filme vira outra coisa na ilha.


Sobre o  como o curta foi viabilizado: No final de 2014 eu ganhei o edital do Canal Futura para o programa Sala de Notícias. Esse edital é semestral e é um projeto muito bacana. Você pode olhar todos os vídeos, editais passados e informações sobre o programa aqui. Basicamente, o Sala de Notícias é uma faixa da programação que abre espaço para reportagens audiovisuais independentes e dá suporte financeiro para a produção. Tem uma versão universitária e uma versão para não universitários. É um espaço em rede nacional para fazer uma reportagem autoral, coisa difícil de se arranjar. Tem todo o tipo de temática: música, meio ambiente, tecnologia, saúde, mobilidade. Só não lembro de ter visto nada sobre segurança pública, mas tá na mira.

Ficha técnica do curta:

Direção: Gisele Motta
Produção: Gisele Motta e Karina de Abreu
Edição: Gisele Motta e Rodrigo Pinheiro
Câmeras: Felipe Kusnitzki, Karina de Abreu e Rodrigo Pinheiro
Trilha sonora: Davi Boia, Fábio Guerra, Thiago Guerra e Phelippe Lobo
Sonoplastia: Phelippe Lobo

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