A estagnação do cinema brasileiro parece estar oficialmente acabada. Depois do Cinema Novo e do Cinema Marginal arrastando multidões para os cinemas para ver filmes experimentais na década de 1960, vieram as chanchadas e uma grande produção através da Embrafilmes até os anos 1980. Quando a empresa foi fechada em 1990, por Fernando Collor, um baque foi sentido no cinema brasileiro.
Em 1996, a indústria cinematográfica respirou com o que foi chamado de Cinema Retomada, mas só a partir de meados dos anos 2000 é que o cinema realmente voltou a ser uma prioridade, com a criação do Fundo Setorial do Audiovisual. Bem, deu certo. Ou melhor, está dando certo. Os últimos filmes brasileiros têm sido sucessos de crítica e bilheteria, e mais importante: ocupam as salas dos cinemas nacionais, onde, durante muito tempo, só se viam títulos estrangeiros -- em traduções mal trabalhadas, diga-se de passagem.
Os títulos são inúmeros (O Som ao Redor, A floresta de Jonas, Faroeste Cabloco, Xingu, Uma história de amor e Fúria, etc). Melhor ainda: a típica comédia está cada vez mais dando espaço a outros tipos de filme. Depois do lançamento do terror trash "Mar Negro", chega "Quando eu era vivo", uma mistura perfeita de ocultismo, cultura brasileira e classe média, dirigido por Marco Dutra.
O suspense -- que só não é terror por uma linha tênue, que parece ser definida pelo tanto que se mostra ou deixa de mostrar -- é protagonizado pelo desconhecido Marat Descartes, no papel de Júnior, um homem problemático que volta a morar com o pai viúvo depois de se separar da mulher. Descartes e Dutra, por sinal, já fizeram um outro filme juntos, o terror "Trabalhar Cansa", de 2009.
Até aí parece que um drama familiar vai se desenrolar, já que o pai, interpretado por Antônio Fagundes, tirou todas as coisas da mãe da casa, em busca de uma nova vida, e o filho quer as memórias reconfortantes da sua infância de volta. Fagundes, por sinal, nem parece estar interpretando. Simplesmente encarnou o senhor de classe média preocupado com a saúde, com a aparência, com a juventude, uma característica mais presente que nunca nos velhinhos dos últimos tempos. Apesar da barriga -- ou talvez por causa dela -- convence.
Mas aí, no meio desse pequeno drama classe média, surge o fantasma da mãe morta. Completamente identificável no nosso país, era aquela mulher que "tinha suas esquisitices", uma mistura de superstição com ocultismo. Até que a coisa vai longe demais e ela começa a se comunicar de formas estranhas com o filho, querendo que ele cumpra uma missão sombria.
O filme assusta. A música e a montagem, por sinal, são dois pontos fortes. O bom teria sido anotar o nome de todas as pessoas envolvidas com a produção e edição do som e da trilha sonora do filme, só para poder elogia-las nominalmente. No meio do filme, descobrimos uma música que seria um mantra para o demônio. Basta dizer que você sai do filme com ela retumbando na cabeça.
Todos os atores estão em ótima forma, com o perdão do trocadilho não muito verdadeiro para Fagundes, no quesito corpo. Mas as atuações surpreendem positivamente. Até mesmo Sandy Leah, no papel de Bruna, a estudante que aluga um quarto na casa de Sênior está okay. Ela ainda parece uma cantora fazendo uma ponta como atriz, mas okay. Mesmo beirando os 30 anos, ficou até parecida com uma estudante universitária, apesar do incômodo que tanta maquiagem cause.
A produção, no ápice do tipicamente brasileiro, traz uma manicure, que também é conselheira e rezadeira. Miranda, papel de outra desconhecida do público, Gilda Nomacce, é simplesmente fenomenal. Já na primeira cena ela chega naquele tremor, naquele medo precavido das pessoas que parecem ter algum tipo de sensibilidade extra.
É muito bom reconhecer, num filme de suspense, as características brasileiras. É bom poder sentir sem reticências aquele sentimento horrível que filmes de suspense trazem. De uma forma totalmente não maquinal, porque ali, na tela, você parece estar vendo sua família, seu vizinho. Nos filmes estrangeiros, especialmente os americanos, sempre sobra uma sensação de que "aqui não seria assim". Ou aquela coisa de não conseguir se conectar a pequenas coisas como a neve, o aquecedor, o triturador do ralo da pia. Coisas pequenas, mas que simplesmente não te deixam entrar completamente em cena. Em "Quando eu era vivo", só resta o "é assim mesmo que acontece", na nossa mente. Se não isso, pelo menos um "é assim que poderia acontecer".
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Post originalmente publicado no Opinião e Notícia
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